
* REPRODUZIMOS a reportagem veiculada pelo jornal ZERO HORA em fevereiro deste ano: “DIVINO está sem camisa, abrindo a braguilha da calça. Faz uma pose insinuante e cara de machão para examinar quem se aproxima. A imagem decora uma parede empoeirada do Estaleiro Vernetti, situado à beira da Lagoa dos Patos em São Lourenço do Sul. Os operários debocham todo dia da foto de Divino, homem simples e sorridente que constrói, entre meia dúzia de pequenos barcos, uma espécie de lancha gigante avaliada em quase R$ 1 milhão. É grana que ele nunca viu. Esses dias, o homem que mandou erguê-la apareceu. Empresário do ramo de biocombustíveis, Irineu Boff queria aterrissar em São Lourenço no jatinho particular - mas, ao descobrir que a pista do aeroporto é de chão batido, achou melhor ir de carro. - Nunca tinha visto aquilo: as portas se abriram que nem um canivete - espantou-se Divino, 47 anos. Ao lado do pai, que também atende por Divino Vernetti, ele mantém acesa no Sul do Estado uma tradição em decadência: a produção artesanal de embarcações. O processo é lento e rudimentar se comparado à tecnologia de estaleiros atuais, mas fomenta um fetiche entre milionários. - Nos estaleiros maiores, os projetos têm configurações que não atendem aos meus caprichos - explica Boff. - Só a fabricação artesanal proporciona barcos totalmente personalizados. No fim de semana passado, o deputado federal Fernando Marroni, ex-prefeito de Pelotas, foi a São Lourenço conferir como anda a construção do seu veleiro. A embarcação deverá lhe custar R$ 400 mil. Apaixonado por barcos de madeira - os grandes estaleiros só trabalham com metal e fibra -, Marroni entrou no estaleiro de Vilson Dias, a poucos metros do galpão dos Vernetti. Empinou o nariz no ar. - A madeira tem perfume - derreteu-se. - Para pessoas como eu, que adoram embarcações, faz parte do encanto acompanhar a construção. Construção que pode levar dois, três, até quatro anos. Em um estaleiro moderno, com pinta de fábrica, a encomenda ficaria pronta em alguns meses. É por essas e outras que a produção artesanal vem minguando - e São Lourenço do Sul, com três estaleiros remanescentes no entorno da Lagoa dos Patos, ainda mantém a concentração mais tradicional do Estado. Divino Vernetti, o pai, lembra dos tempos em que 20 ou 30 botes de pesca aguardavam na fila para serem construídos. Hoje, não passam de dois ou três. Seu estaleiro tinha 12 funcionários - agora são apenas eles, o filho e mais três. Por outro lado, quem ergue um barco de R$ 1 mihão deve ganhar bem, certo? Errado. - Se tirarmos 15% só do valor do casco, em dois anos de trabalho, temos que jogar as mãos para o céu - pondera Divino, o filho. Reproduzido do Jornal ZERO HORA.
